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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Vontade não sei do que

Abro a geladeira e fico olhando para o desfoque de possibilidades. Não foco em nada porque não sei exatamente o que eu quero. Será que a gente pensa que a geladeira é um portal para outro mundo? E que ao abri-la a gente vai descobrir para onde quer ir ou o que quer da vida? Da gaveta de ovos (pra que existem gavetas de ovos?) pularia um sábio indiano e me diria: você só precisa ter calma e não desejar tanto. Do desejo é que saem as angústias. E eu crente que ele ia filosofar sobre quem veio primeiro. Se foi o ovo ou a galinha. Ou então, pularia a Clarice Lispector. E me recitaria aquele conto maluco do ovo. Dá onde a gente tira que a geladeira alimenta a nossa alma e a nossa mente? Se ela mal alimenta nossa fome mais óbvia e superficial.Minhas vontades, sempre infinitas, passam muito rápido. E aí eu fico achando que eu não sei ter vontades. Que eu não mereço as minhas vontades. E me sinto sempre uma traidora prestes a desistir ou a enjoar de algo que nem deu tempo de acontecer. E aí fico com preguiça ou mesmo falta de coragem para ter novas vontades. Se elas vão passar, para que raios elas servem? E então me pergunto. Se amor passa, de que serve senti-lo? Tinha tanto medo de perder as pessoas e agora vejo que fiz de tudo para perdê-las.O amor curte esses pequenos momentos porque a vida acaba, mas nós acabamos ainda muito antes. E sou interrompida mais uma vez por essa vontade automática de olhar minha caixa de e-mails. Ou de comer mais um quadradinho da barra de alpino. Ou de dar um gole pesado e alongado na água e pedir, sem nem saber, que ela abaixe minha bola um pouco e eu volte a ficar humilde. Sempre tomo água sem humildade como se desse um trago em um cigarro. Ninguém traga com humildade. É a cena mais banal do mundo, mas, sei lá porque, me sinto sempre uma estrela sedenta quando dou meu gole cheio de tédio em um copo com água.E aí se vão alguns minutos em que desejei apenas coisas automáticas ou fisiológicas. E nem assim, alguns minutos em que eu não tenha sido escrava do meu desejo absoluto e insuportável em ser algo grande e não banal. Ou ser algo de uma banalidade tão verdadeira, que choque as pessoas. Não paro de querer algo, que eu nem sei ao certo o que é, nem quando limpo uma gotinha no canto da boca. Não, não tem nenhum e-mail interessante. Que me enfie num carro acolchoado e me leve por uma estrada florida. Nenhum e-mail cocaína. Que me faça sentir o máximo e absolutamente feliz sozinha. E absolutamente cheia de amigos e amores. E absolutamente. Sei lá.Nunca experimentei cocaína. Mas tenho noção de que sou uma viciada em esperar que algum humano me faça sentir algo bom e que me tire daqui. E então sou tomada por uma vontade maluca de abraçar minha mãe tão forte que eu entraria de volta para dentro dela. Mas não posso. Não posso porque isso seria voltar a estaca zero. E então eu me abraço fingindo coçar os braços. E daqui a pouco mais essa vontade também passou. E eu fiquei um pouco mais forte ou um pouco mais fraca. Nunca sei. E a Vanessa da Mata canta a minha música. Que tudo o que eu quero dar é pesado, é demais, não há paz. E na voz dela até que eu mereço perdão. Até que eu devo ter jeito. Eu peso mil quilos. Mas adorava contar a piadinha de que fulana era ainda pior porque era gorda de verdade. Antes uma chata que uma gorda de verdade. Vontade de ser do mal. Vontade de ter com quem ir para Tiradentes. Sabe, a cidade histórica? Não conheço. Nem conheço ninguém com quem eu iria para lá. Estou com vontade de comer . Apesar de ser ansiosa ,E aí vamos rir a valer e depois bocejar de preguiça de voltar para a casa sozinhas. E também essa vontade passará. E então vou ter uma vontade de estalar o pescoço no meio da noite. E vou ficar um pouco feliz porque descobri que não é uma cama metade vazia e sim uma cara inteiramente cheia de mim. E vou ficar cheia de mim. Com tudo o que isso tem de bom e de ruim. E vou finalmente ter vontade de parar de pensar, por alguns minutos.

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