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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Meu minuto de silencio

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Era uma noite estranha e ela ficou se perguntando por que será que as coisas todas dela que iam embora, acabavam voltando hora ou outra. Não sabia se era insistência de quem foi e se arrependeu no meio do caminho ou se eram as portas da casa, sempre abertas, destrancadas dando vez pra uma mágoa do passado voltar, sem nem ter que bater na porta. Achava estranho as viradas e invertidas que ela dava nas coisas, nos sentimentos, nas pessoas. Achava um saco ser tão volúvel quando tudo o que ela mais queria era menos vulnerabilidade. Achava injusto demais a sensação ruim de nunca ter achado aquilo que ela tanto procurava.E eu fiquei ali, bem paradinha no meu canto, olhando a garota bonita se lamentar por tantas coisas que ela, por mais que quisesse muito, não tinha. Fiquei pensando nas horas que eu mesma já passei fazendo isso, num passado não muito remoto. As lágrimas que eu sequei sozinha, os abraços que viraram buraco, as risadas rompidas num silêncio que eu demorei pra entender que poderia sim ser benéfico pra mim de algum jeito. Sempre tem algum jeito.Talvez ser triste atraia muito mais olhares – como foi atraído o meu – do que simplesmente optar pelo não ligar, pelo nada fazer, pelo mandar se foder, literalmente. Eu nunca fui uma pessoa do, literalmente, foda-se. Sempre muito preocupada com todas as coisas que viriam de todas as coisas, sempre querendo entender os porquês de todos os tudos. Sempre no plural, nunca compacta.Mas os anos passaram por mim nada sóbrios e não foram macios os dias no meu rosto. Eu não tive tempo de cantar alguma música do Caetano enquanto acordava embaixo dos caracóis do cabelo de ninguém. Tudo pra mim sempre foi muito mais “olhos nos olhos” e “o que me importa”. Tão Chico e Marisa, tão doído que dava dó. Uma coisa.Só que aí eu acabei mudando. E foi mudança aos poucos, porque até hoje me dou conta de coisas minhas que já não estão mais lá e, quem roubou, eu jamais vou saber. O sorriso mudou e a vontade de sorrir pra qualquer pessoa também, graças a Deus. Foi por sorrir tanto de graça que eu paguei tão caro por todas as coisas que me aconteceram.Às vezes me pego olhando ao meu redor e vendo tanta menina parecida comigo. Tanto sentimento gritando de bocas caladas e escorrendo de peles secas. Tanta coisa acontece com a gente. Tanta gente passa pela gente, mas tão pouca gente realmente fica. E eu sei que, talvez, eu tivesse que ficar triste. Talvez eu tivesse que continuar secando lágrimas, abraçando o vento e rindo no vácuo, mas o fato é que eu não consigo. Eu não consigo mais ser triste só para mostrar que um dia eu fui – ou achei que tivesse sido – feliz.Aprendi com os meus próprios erros que sofrer não torna mais poético, chorar não deixa mais aliviado e implorar não traz ninguém de volta. Aprendi também que por mais que você queria muito alguém, ninguém vale tanto a pena a ponto de você deixar de se querer. Eu que gritei para tantas pessoas ficarem, hoje só quero mesmo é que elas sumam de uma vez por todas. E em silêncio, que é pra ninguém ter porque se lamentar.

O menino dos meus olhos

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Tantos rapazes passaram pela vida daquela moça que ela acabava indo e vindo, começando e terminando, rindo e chorando sempre, tudo junto e ao mesmo tempo. Acabava não aproveitando muito a emoçãozinha do durante porque sofria pensando no depois; mas aí na hora de chorar pelo depois ela já tinha chorado muito e partia pra mais algum durante assim, sem esquentar muito a cabeça. Foi sempre assim. Desde que ela consegue se lembrar, ou contar, foi assim. Eles aqui ou ali, tanto fazia. Era sempre o mesmo desfecho sem graça para a mesma história repetida. E ela tinha uns 16 anos quando ele apareceu na vida dela. Na época ela mal conseguia diferenciar aquele rapaz de todos os outros e, pra falar bem a verdade, ela só percebeu de quem se tratava dia desses, quando começou a fechar seus olhos antes de dormir e percebeu que a imagem dentro do escuro debaixo das pálpebras dela, era dele. Percebeu que há muito tempo era ele. Percebeu que todos os outros rapazes nunca seriam páreos pra ele porque ele não estava nas coisas que ela via somente, ele estava também - e principalmente - nos olhos dela quando estes estavam fechados. Ninguém competia com ele porque ele estava nela, dentro dela. Só que a vida nunca foi uma grande amiga dessa moça, nesse sentido. Todas as vezes que ela pensava em abrir os olhos e libertar o rapaz especial de dentro dela, a vida insistia em a fazer continuar sonhando. Às vezes era bom sonhar e ela mesma não queria abrir os olhos, mas havia outras vezes que o sonho ia virando pesadelo, ele corria perigo, ela queria acordar, queria tirar ele dali... mas não conseguia. De todos os homens do mundo, ele era o que ela mais admirava. Todas as coisas que ele fazia viravam estórias encantadas na cabeça dela, ele era o príncipe que escalava o castelo, o cavaleiro que ganhava a batalha, a coisa mais brega e mais bonita que ela conseguia pensar sempre, era ele. E ela descobriu que não é vergonha ser brega para ser bonito. Ela estava cagando pra quem a achasse brega. O tempo foi passando e a distância entre ele e a realidade foi diminuindo. Às vezes ela abria os olhos assustada depois do sonho e era como se ele estivesse realmente lá, era como se ela pudesse mesmo sentir o cheiro, a presença. Tantas vezes ela foi dormir contorcida, apertada a si mesma, desejando fundo que no lugar dos travesseiros e das vontades, fosse ele. Ela só queria que fosse ele. Mas não foi. Não dessa vez. Não foi de novo. E ela conta os dias, as horas e os problemas que faltam ser resolvidos pra eles conseguirem finalmente ter o final feliz do conto de fadas. Ela o guardou há muito tempo num lugar muito seguro, que nenhum dos seus namorados de papel da vida real vai conseguir chegar algum dia. Porque eles, os outros, estavam dos olhos pra fora: ela os enxergava, se divertia, tocava, sorria, mas em hipótese alguma os levava para dentro dos olhos dela. De tanto implorar para acordar, então, foi exatamente isso que aconteceu. Só que, por hora, o príncipe cheio de defeitos encantadores ficou lá dentro, lutando pra sair, ainda. E o ritual sagrado segue de noite em noite,numa espera angustiante, mas que um dia vai passar, há de passar. Às vezes uma pessoa ou outra diz a ela que não se pode viver assim, fechando os olhos pras coisas à sua volta. Mas a moça, agora tão esperançosa, não só fecha os olhos como também, tapa os ouvidos. Tantas pessoas passaram por ela, tanta coisa foi dita, tantas promessas que jamais foram cumpridas e ela fica pensando sozinha que, se ela já perdeu tanto tempo com sentimentos de papel, vale a pena - e muito - esperar por alguém que há tanto tempo faz parte da parte mais íntima da sua vida: o seu sonho de ser feliz.

Soul Mate Indicators Tabajara

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Se você quase sempre se apaixona por pessoas que te provocam, que esperam que você seja mesmo melhor do que é, que te beliscam o ego, que te torcem as certezas, que lançam fogo no lago calmo e azul da sua mente. Se você transa melhor com aquela pessoa que te irrita. Se você conversa melhor com aquela pessoa que pode discordar, se você vê mais beleza nas faíscas, nas fagulhas. Se você tem você como grande prioridade, ainda que estar apaixonado seja sua grande prioridade. Se você até tenta resolver o problema mas, por causa dos seus problemas, acaba complicando um pouco as coisas. Se você ri bastante mas também é um pouco deprê. E gosta de gente engraçada que também é um pouco deprê. Porque a graça real vem da tragédia que é estar vivo. Se você tem inveja de quem ama, apenas porque ama tanto que às vezes gostaria de viver dentro da pessoa. Ou só porque a inveja e o amor são coisas que nos acometem e não tem muito o que fazer. Se você tenta caminhar na corda bamba, mas vive esfolado, machucado e tonto, de tanto cair. Se você às vezes manipula e intimida e não deixa segura a pessoa amada, porque você é estragado de cabeça e de coração. Mas também abraça, pede desculpas e vomita tanta sinceridade que consegue ter charme e pureza nas maldades. Enfim, se você é errado e não serve pra alma gêmea de ninguém, talvez eu seja sua alma gêmea.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A tristeza em pé

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Tem sempre aquela pessoa que vai te falar: mas você tem as duas pernas, garota! Tem também as variações das duas pernas: os pais vivos, pelo menos dois paus na conta bancária, dois olhos perfeitos, dois ouvidos sem defeitos, essas coisas. No Brasil não tem terremotos. Pelo menos não em São Paulo. Pelo menos não em Perdizes. Tem buracos que engolem pessoas perto da Ed. Abril e tem aviões que matam duas centenas de pessoas. Mas eu não tive nenhum conhecido, amigo ou parente que tenha morrido em nenhum desses acidentes. Se você me vir por aí, buscando um pão quente ali na padoca da esquina ou comprando uma pacotinho de absorvente na farmácia do outro lado da rua, certamente pensaria: lá vai uma garota com as duas pernas, os dois olhos, os dois ouvidos, pelo menos uns dois paus na conta bancária, os pais vivos e nenhuma catástrofe significativa pesando em seus dois ombros perfeitos. Ou não pensaria nada porque nada em mim grita. Não tenho motivos para gritar. Lá vai mais uma garota de pé. Sem motivos óbvios ou convincentes para se contorcer de dor por aí. Ou sem nenhuma justificativa para se encolher, desistir, correr de quatro, se esconder em cantos, colar a testa na parede e querer que o mundo vire para o lado até as paredes virarem chãos. Eu sou só uma garota com a vida boa e, por isso, uma garota que segue a vida em pé. Seria até um pecado não dar valor a vida, não é mesmo? Com tanta gente pior por aí, não é mesmo? Seria um pecado não ser absolutamente feliz. E sorrir o tempo todo. E seguir a vida em pé. E hoje tava o maior sol. E sol me deixa triste. Porque o sol sempre quer dizer que a vida só está uma merda por culpa sua. Afinal, a parte dele, ele ta fazendo. Lá no céu, iluminando tudo, deixando tudo dourado. A culpa do seu dia estar um verdadeiro lixo é única e exclusivamente sua, porque o dia só quis ajudar. E a vida poderia estar realmente maravilhosa. Poderia se ao invés de estar nesse parque nojento com meninas barrigudas correndo e gritado “o peixe ta morrido, o peixe ta morrido” eu estivesse numa praia deserta tomando água de côco com um tipo inteligente, bom de cama e apaixonado. Mas praias desertas são como esse tipo inteligente, bom de cama e apaixonado. Logo enchem. Depois eu voltei do supermercado cheia de sacolas e umas das sacolas, muito pesada, fez um vergão no meu braço. E o que isso tem de triste? Sei lá, mas eu fiquei triste pra cacete. E o gordo do meu prédio que deixa a esteira completamente melada de suor me deprime demais, demais. E a tia com pernas de frango assado que divide a vaga do estacionamento comigo, e tem uma bosta de um Ka roxo sempre sem gasolina, me deprime mais ainda. E o prédio de trás, com seus pagodes dominicais? Me deprime tanto que eu gostaria que assassinato não desse cadeia. Eu gostaria de explodir todos eles. E depois dormir em paz. Mas eu não durmo em paz nunca, mesmo quando estou dormindo em paz. Eu acordo e penso “olha, estou dormindo em paz”. Isso definitivamente não é dormir em paz! E quando vou ver, lá estou eu mais uma vez, dobrando esquinas, cruzando ruas, fazendo curvas, dando setas, entrando em lugares, me despedindo, saindo do banho, dando a descarga, abrindo a geladeira, mudando o canal. Sempre de pé. Absolutamente triste e de pé. Eu e minha tristeza em pé. E então minha mãe me conta da sua dor ou doença da semana. E me faz uma lista de todas as pessoas que podem ser responsáveis por sua morte anunciada há mil anos. O chefe arrogante, a empregada burra, o vizinho barulhento, a telemarketing robótica, o moço da feira, a menina da unha. E eu quero matar todo mundo. Mas eu sei que já estive nessa lista vez ou outra. E então eu também quero me matar. E meu pai me fala o quanto acredita que a vida é uma grande merda. E que ele espera a hora que a vida acabe. E então minha mãe faz pipoca doce e meu pai parcela mais um aparato eletrônico em doze vezes. E eles já não sofrem mais e não culpam ninguém. E eu também já não sofro mais e nem me culpo. E tudo passa por um tempo e vamos sorrir, vamos ao cinema, vamos dormir depois do almoço do domingo. E daqui uns dias vamos caminhar por aí, com a nossa dor sem motivos. E, principalmente por isso, uma dor filha da puta. E vamos em frente. Eretos com nossa tristeza. Porque a alegria sempre carrega essa certeza de que a alegria é falsa. E a tristeza sempre volta, ainda mais em pé que a gente. Sobre a nossa cabeça. Tirando sarro da nossa ilusão. E o único jeito de ser mais malandro que a tristeza é sendo cínico. E lá vai a garota. Comprar pão quente com seu cinismo. Comprar absorvente com seu cinismo. Amar com seu cinismo. Porque só o cinismo vence a tristeza. Porque só o cinismo é mais triste do que a tristeza. E eu virei um muro alto feito de pedras cheias de pontas. Tudo isso só porque eu quero tanto um pouco de carinho que acabei ficando com medo de não ganhar. E coitada da moça da padaria e do moço da farmácia. Porque lá vai uma garota trator. Sempre de pé, carregando seu corpo sempre no chão. Sempre com pressa, pressa de acabar logo com tudo. Para poder deitar um pouco. Para poder dividir a tristeza com a gravidade. Para parar de fingir que tudo bem andar por aí carregando essa merda dessa tristeza. Sempre de pé. Afinal, seria um pecado não ser absolutamente feliz, com tanta gente pior por aí, não é mesmo? E todas as vezes que eu lembro dele dizendo para outra mulher: “eu quero muuuuito”. Eu não sei que porra ele queria muito. Talvez um dedo no cú. Não sei. Mas todas as vezes que eu lembro disso. Da humilhação que foi ouvir isso tão de perto e tão de propósito para doer. Eu não consigo simplesmente deixar morrer e nascer de novo. Porque todos os dias eu nasço de novo, com a esperança que a tristeza fique na outra vida. Mas a tristeza nasce comigo. E nós saímos para trabalhar, comprar pão ou sonhar em explodir o prédio do pagode. Sempre de pé. Somos dois animais de pé. Um ao lado do outro. Dentro do outro. Em cima do outro. Mas sempre juntos. Mesmo quando a alegria ocupa todos os espaços. Ainda assim a tristeza está lá, disfarçada de alegria. E a ausência da tristeza é apenas uma linha de trem. Anunciando que o trem existe, só saiu por um tempo. Daqui a pouco ele volta, maquinando, bufando e atropelando minha cabeça. E o trem corre deitado, mas eu sigo em pé. Afinal, seria um absurdo uma menina com uma vida tão boa não seguir assim. E nunca ninguém desceu do morro em bando para me matar. Mas eu sinto a morte me sufocando quando vou da Barra para a Zona Sul. E nunca ninguém botou uma arma na minha boca no farol da Henrique Schaumann. Mas eu sinto um gosto de pólvora misturado a lanche de restos mortos quando passo em frente ao Big X Picanha. E nunca ninguém me odiou ao ponto de me matar, mas eu me sinto morta todas as vezes que alguém deixa de me amar. E eu não estava naquele avião e nem naquele buraco. E nem tem terremotos na minha cidade. Mas nem por isso eu me sinto voando. Mas nem por isso eu deixo de sentir a terra em cima da minha cabeça. Tudo a minha volta treme e chacoalha mais que aquele brinquedo Samba no parquinho. De quando eu era criança e tinha medo de vomitar. E eu não comi nada estragado e nem estou ajoelhada no bidê. Eu nem tenho bidê. Mas sinto a eminência de uma ânsia podre e de joelhos o tempo todo. E definitivamente a minha vida não é uma merda. Mas a verdade é que eu sinto o cheiro da bosta mesmo assim. E eu continuo andando por aí, em pé com minha tristeza. Mas minha sombra está de lado, deitada no chão. Talvez porque assim esteja minha alma. Talvez porque isso seja viver, para quem é de verdade, para quem pensa um pouco, para quem sente um pouco, para quem lê jornal de manhã. Talvez apenas porque é meio dia.

Vontade Filha da Mãe

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Me falaram que a da felicidade não pode tomar muito sol e nem receber água todos os dias, mas precisa de luz e de um pouco de água dia sim, dia não. Somo a tudo isso beijinhos, carinhos e palavras ditas baixinhas, perto do caule. Outro dia cheguei ao cúmulo de ninar o vaso, o que meu deu uma baita dor nas costas considerando que a planta, contando com toda a terra, deve pesar uns 18 quilos. A comigo-ninguém-pode é cheia de querer se esconder. E eu respeito isso. Um pouquinho só de sol que recebeu, em uma das folhas, queimou. Conversei com ela ontem, daquele jeito humilde que ela gosta: de joelhos e preocupada. Agora ficou tudo bem, sei disso porque ontem nasceram duas novas folhinhas. Fiquei tão feliz que cantei uma música para ela. Das minhas filhas ela é a menos meiga, mas a mais corajosa. Tenho uma sensação boa de que me protege de alguma coisa ruim. Dessas coisas ruins que a gente nem sabe explicar o que é, mas entram por baixo de nossas portas. Minha cachorra odeia abraço. Mas o que eu faço se sou a pessoa mais feliz do mundo quando ela junta as patinhas atrás do meu pescoço e deita a cabeça no meu ombro? Eu fecho os olhos e imagino que em vez de um cachorro é um nenê lindo usando uma roupinha felpuda. Mas logo um latido ou mesmo uma ameaça de mordida defensiva me tiram a ilusão e volto a me sentir uma idiota: que porra ta acontecendo comigo? Ontem terminei um projeto longo, daqueles que a gente fica meses parindo. A sensação foi incrível. Cada folha que saia da impressora era mais um pedaço do DNA criativo do meu filho. Juntei todo o trabalho e, quando dei conta do que estava fazendo, percebi que estava sentindo o cheiro da nuca das folhas sulfites. Só faltava bater nas costas do papel “chamequinho” pra ver se ele arrotava. Bizarra. Tati, você anda bizarra. Quando um homem olha pra mim, na rua, com aquela cara de “te comia muito”, tenho vontade de gritar “então me faz um filho agora seu merda”. Caguei para todos os homens do mundo que querem me comer sem rastros. E caguei também para os que querem me amar por uns 10 anos até me darem um filho. Eu quero um filho AGORA. Por isso caguei para todos os homens do universo. Já que nenhum homem normal e equilibrado do planeta vai querer me dar um filho agora, caguei pra todos eles. Já faz meses que não vou a festas, baladas ou coisas do tipo. Paro em frente as festas e penso: e por acaso pega bem uma mãe de família, uma mãe de recém nascido, uma grávida de sete meses, pegar essa fila cheia de gente ensebada e entrar nesse inferninho para ficar a noite inteira tendo que me esfragar em desconhecidos para conseguir me locomover? Claro que não! Aí dou meia volta pra casa. Aí chego em casa e fica esse vazio. Não tem filho nenhum nem dentro de mim e nem fora de mim. E caio na risada, depois caio no choro: que porra é essa que ta acontecendo comigo? Eu lá quero filho agora? Óbvio que não. Ainda sou tão nova, ainda tenho tantas viagens para fazer, tantos garotos para namorar, tanto dinheiro para ganhar, tanto trabalho a fazer. Óbvio que não quero um filho agora. Segundos depois acho tudo um lixo. Essas roupas modernas, esse dinheiro guardado, esse dinheiro torrado em roupas modernas e viagens modernas. Esses amigos blasés, esse mundinho das festinhas e baladas. Esses garotos pra namorar e o buraco oco que fica depois. Todo e qualquer trabalho jogado no mundo, sem uma única pessoa pra assistir comigo o meu sucesso ou o meu fracasso e simplesmente sentir amor. Tudo lixo. Lixo. Lixo. Eu só queria uma família. Essa é a verdade. Uma família minha, construída por mim. Cansei de todo mundo e de todos os lugares. Cansei de ser menina, adolescente, jovem. Eu só quero ser mulher, mãe. Cansei de fazer sexo sem amor. Cansei de conquistar os vapores podres que deixam marcas que ninguém vê mas voltam como fantasmas que fedem. Cansei de tudo que não fica, que não engorda, que não frutifica, que não continua. Cansei de fechar a porta sabendo que é mais uma porta que não se abre. Cansei de perder aos poucos a pureza e ganhar aos poucos desespero. O relógio biológico, como dizem, bateu. E isso é bizarro, é engraçado, é louco, é assustador. E eu se fosse homem correria infinitamente de mim. Mas ainda mais bizarro, penso cá eu com meus hormônios que não me deixam pensar, é se assustar com uma pedido tão simples da vida: mais vida. E volto a olhar minha barriga seca no espelho e a me perguntar: eu queria tanto o mundo fora de mim, por que agora quero tanto o mundo dentro de mim?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Todo mundo quer um porto

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Lembro como se fosse ontem daquele medo que ficava escondido atrás de mim. Do quê?, lá no fundo eu me perguntava. Pra quê?, indiretamente eu me questionava. A gente quer tanto um amor, um lugar pra ficar, um abrigo, um porto. É isso, eu descobri: todo mundo quer um porto. A garantia, a certeza de companhia, aconchego, ir e vir, andar e parar. Um porto. A gente quer tanto e tem tanto medo. Pensei em voltar atrás, em deixar passar. Porque a gente se autoboicota. E eu vivi grande parte da vida me autochacotando. Loucura, insensatez, chame do que for. Mas eu agia insistentemente na base do boicote. E o amor passava longe, rindo de mim, voando.Um dia eu parei de ter medo. Não, não parei, um dia eu fingi que parei de ter medo. Virei atriz, decorei o texto e fui farsante pra ver até onde essa vida me levava. Deu certo, de tanto acreditar numa coisa ela acabou acontecendo. De tanto fingir não-tenho-mais-medo o medo ficou se sentindo deslocado, ignorado e foi-se. Não levou roupa nem escova de dente, apenas abriu a porta e foi embora pra outra dimensão.Parece insano: ser feliz amedronta. Lembro quando você me disse isso. Você-tem-medo-de-ser-feliz. Eu não quis parar pra pensar nem dar o braço a torcer, mas sim, eu tinha. Um medo quase sufocante, uma tensão que me apavorava. Dava medo, muito medo. Eu ficava arrepiada quando a felicidade me dava boa tarde. Por isso, eu pedia com licença e ia para outro lado. Até que um dia você me pegou pela mão e disse pra eu ficar. E eu fiquei. Hoje, sei que foi a melhor coisa que eu podia ter feito na vida.Ninguém disse que seria fácil. Amar não é coisa de filme, apesar de ter cenas lindas. Amor é real, dia a dia. No amor, a gente tem que conviver com cada imperfeição – e fazer isso com vontade. Tem que querer de verdade. Não, não é fácil, tem altos e baixos, frases e fases. Mas se você parar pra pensar, tudo na vida é assim. O importante, na minha opinião, é enxergar o outro como ele é – sem ilusões ou floreios. Se você quer a pessoa que você vê, certamente tudo será mais fácil. A gente precisa aceitar os próprios defeitos e limitações – e respeitar os do outro. Ninguém disse que é fácil. Mas amar é tão bom que se torna maior do que o resto.A gente recebe diariamente pequenas provas e amostras grátis de que o outro é realmente a tal pessoa certa. Sempre acreditei nessa coisa de pessoa-certa-alma-gêmea-metade-da-laranja. Acho assim: pra cada um existe um. Simples, não? E é. Muitas vezes, a pessoa certa está bem ao nosso lado e, cegos, procuramos mais longe. É preciso estar sempre atento – ou bem desatento. Eu estava desatenta quando você chegou. Já sabia, é claro, que era a pessoa certa. São tantas – e pequenas – coisas que se tornam grandes. Todas as vezes que você ficou ao meu lado (e nos últimos tempos, mais do que nunca, eu percebi que sempre, sempre mesmo, em qualquer situação, eu posso contar com você). Que a gente riu junto. Que choramos. Que gargalhamos.Que fizemos DR na madrugada. Que fomos bobos. Que fomos atentos. Que aprendemos. Que ensinamos. Que demos colo. Que nos cuidamos. Que planejamos coisas e tricotamos sonhos. Acho bonito. É tão bonito a gente desenhar um sonho ao lado de alguém. De olhar no fundo do olho da pessoa e saber que é ela. Isso é único. E muito, muito especial. Quem tem um amor assim sabe do que estou falando. É uma sensação quase inexplicável de paz. Acho que é o mais próximo que conseguimos chegar de nós mesmos. Agora eu entendo: encontrar o amor da nossa vida faz com que a gente se reconheça sem máscaras – e, com isso, ame sem photoshop.

terça-feira, 5 de julho de 2011

The Killers

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Sempre que uma situação começa a ficar boa ou simplesmente começa, solto minhas frasezinhas bombas. Não sei se com isso quero realmente foder a minha vida ou me proteger de me foder. Acho que segundos antes de explodir tudo, penso assim: se eu falar a frase mais errada do mundo, só os realmente fortes sobreviverão. O que eu não percebo é que no começo de alguma coisa, ninguém ainda é realmente forte para agüentar minhas frasezinhas bombas. E todo mundo, sem exceção, acaba correndo assustado. E no dia seguinte eu acordo com aquele misto de vitória com tristeza. Sozinha novamente. Como se isso fosse um prêmio mas também uma doença. Dentre as minhas frasezinhas bombas tenho três prediletas “to morrendo de saudades de você”, “a vida sem amor é uma merda” e “você me dá pouca atenção”. Quase nunca to morrendo de saudades de alguém, não existe a menor chance de eu amar algum desses trastes que me aparecem e caguei se eles me dão ou não muita atenção. Mas ainda assim falo, ainda assim mando uma frase dessas. Só pra ter o triste prazer de ver o covarde ficando branco, escondendo os dentes, enfiando o pinto no cu. E sumindo finalmente da minha vida. É o jeito que arrumei de me rebelar contra essa hipocrisia masculina. Eles podem dormir na casa da gente, enfiar o pauzinho no meio das pernas da gente, pedir uma torradinha com requeijão de manhã, mijar pra fora do nosso vaso, contar a vida deles e pedir mais carinho nas costas. Mas não suportam ouvir no dia seguinte um simples “gosto de você”. Covardes de merda. Odeio essa hipocrisia masculina. Se eles falam mil vezes que querem te ver é tesão e você não pode se assustar, mas se você falar uma única vez que quer vê-los, é porque você é uma mala que está “misturando sentimentos”. E eles podem se assustar. Que preguiça desse planetinha dos macacos e suas bananas. E sigo com minhas frases matadoras. “Pensei em você hoje”; “Voltei antes pra te ver”; “Vamos nos ver hoje?”; “Vamos comigo na festa da minha amiga?”; “O que você vai fazer no feriado?” E tenho cada dia mais nojo de como frases ditas pra ser agradável soam como um assassinato. E tenho nojo de pensar que quando você tira o controle deles, eles não sabem mais o que fazer com você. “O que eu vou fazer com uma mulher que eu já conquistei?” Que tal continuar conquistando todos os dias, seu idiota? Que tal viver uma história que passe da primeira página? Tenho cada dia mais nojo de como as pessoas se consomem e não se conhecem, não vivem nada. Não sabem nada da vida da outra a não ser o tamanho dos peitos e se o desenho dos pêlos é mais para Claudia Ohana ou bigodinho do Hitler. Sempre lembro de uma vez que fui passar cinco dias com um namorado no alto de uma montanha e ele me apareceu com um verdadeiro “kit putaria”. Passou antes no sex shop e comprou de óleo de massagem a roupinha de enfermeira. Tenho certeza que fez isso porque pensou “que porra vou fazer com uma mulher cinco dias em cima de uma montanha a não se trepar”? Se fosse algum dos seus amiguinhos eles poderiam rir, se divertir, beber, conversar, apostar corrida, jogar videogame, brincar na piscina, fazer trilha. Mas com uma mulher? Um ser estranho chamado mulher? Que porra ele iria fazer não é mesmo? Homens acham que a página 1 é trepar e a página 2 é casar. E como têm pavor da 2 (e quem disse que as mulheres também não têm?) acabam nunca saindo da 1. E nisso conversas incríveis, descobertas maravilhosas e histórias lindas morrem antes mesmo de nascer. Eles podem te comer mas jamais passear de mãos dadas com você. Isso tudo me dá um bode profundo. Mas no fundo tenho mais bode é de mim. Por ter dito frases desse tipo para pessoas sem nenhuma magia, sem nenhuma poesia. E que ao invés de enxergar beleza enxergaram “carne ganha”. E no fundo eu nem sentia nada por essas pessoas, estava apenas testando a hipocrisia do mundo. Estava apenas comprovando que se tratava apenas de mais uma “carne podre”. Acho de verdade que a puta da Glenn Close estragou a vida de algumas mulheres. Basta você dizer um inocente “você é legal” pro cara achar que você vai se mudar pra casa dele, mergulhar o poodle dele numa panela fervendo e parir trigêmeos bem no dia do futebol com os amigos. Da onde eles tiram que somos tão assustadoras? A gente só quer ter com quem rir no final do dia e ganhar alguns beijos no lugar certo. Nada muito diferente do que eles querem. Mas cansei. Definitivamente cansei. Cansei de um mero “nossa, tava pensando em você” equivaler a um “nossa, tava pensando em você de terno e gravata no altar de uma igreja”. Já que pouca coisa assusta tanto, decidi que agora vou jogar pesado. Daqui pra frente minhas frases matadoras vão ser de “quero ter um filho seu” pra pior. Quem quiser sair comigo vai ter de ouvir “posso dormir aqui?” ou ainda “acho que posso me apaixonar por você”. E quem sobreviver a esse verdadeiro extermínio de pretendentes, vai descobrir que eu sou só mais um ser que morre de medo do amor e da convivência. Vai descobrir que falo as frases erradas justamente pra espantar as pessoas e não ter mais trabalho. Mas de verdade (e dessa vez sem medo de assustar ninguém) adoraria encontrar alguém que resolvesse correr esse risco junto comigo.

Olheiras, ossos e escárnio

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Já que você me viu dormir, acordar, tomar banho, gozar e ter medo de requeijão vencido, acho que posso te dizer mais algumas coisas. Até porque não preciso ter medo de espantar o que já está tão longe de mim. Eu vou embora porque tenho pavor de você querer que eu vá embora. Não ser mais desejada por você é como ser convidada pelo super homem para sobrevoar minhas dores e, de repente, só porque o super homem não existe e eu deveria saber disso, ser lançada lá de cima, de encontro aos meus mundinhos antes tão grandes, depois tão pequenos. Agora enormes. Se aproximando. Se aproximando. E cair de cara em mim mesma. E me quebrar e quebrar tudo de novo. Eu não faço questão que ninguém goste de mim, mas fico completamente louca quando alguém gosta. Porque descubro que cada segundo da minha vida foi pra sentir isso. E o que será dos próximos segundos? Não me tire da minha merda pra depois me lembrar que tudo é uma merda. Sem fim, sem fim. Eu só queria voltar a ter aquele cabelo curto e loiro e ter o braço inchado de puxar ferro. E comer que nem uma vaca enquanto seduzo idiotas em almoços idiotas. E comer os idiotas enquanto seduzo eu mesma achando que talvez o segredo seja fugir do fato de que sou uma mulher. Eu era feliz. Na verdade eu não era nem um pouco feliz, mas pelo menos eu sabia o motivo. Eu quero aquelas ligações superficiais e descartáveis no meio da tarde, que me enchem de irresponsabilidade e morte. Depois a despedida doída, mais uma vez servir ao amor sem saber amar nem um pouquinho, mas pelo menos, nesse caso, ser exatamente o esperado, o correto, o forte, o jeito de se viver como tantos vivem. E me sentir desesperada por estar levando uma vida normal e ter a opção a qualquer momento para enlouquecer e chutar tudo. Mas quando se está louca e chutando tudo e ainda assim se sente desespero, o que resta?
Com você e todo esse amor, eu consigo apenas me largar pelos cantos assustada. Isso é vida? Eu não quero andar duas quadras no sol com você. Porque te amar assim, me dá medo de enfartar ou da minha pressão cair. Não sei. Eu quero deitar e esperar passar tudo. Eu quero te olhar deitada enquanto seguro um copo com água de coco geladinha. Porque você não sabe, mas tenho corrido maratonas e vencido monstros gigantescos para conseguir sentir tudo isso sem arrancar minha cabeça fora. E quando você, ao invés de me esperar no pódio de chegada com pomadas e isotônicos, me olha desconfiado ou entediado de tudo, eu quase desejo que dessa vez eu morra no meio da corrida. Porque é ridículo achar que você faz tudo valer a pena, mas, no fundo, acabo achando que você faz tudo valer a pena. Isso é vida?
Eu queria cutucar as pessoas na rua e perguntar como elas fazem pra ter pernas grossas e filhos pendurados nas pernas grossas. Eu não faço a menor idéia de como se vive, se cresce, se multiplica. Eu só me como por dentro, me corrôo de ciúmes, fico tentando segurar tudo com medo que eu comece a despedaçar no meio da rua. Eu me maquio pouco, como pouco, transo, digo e amo pelas beiradas. Tudo pra eu me arrepender menos na hora de limpar a sujeira. Tudo pra, arrogantemente, não sentir a vida como bicho. Quando tudo o que eu queria era andar de quatro pela casa e mijar nos cantos. E olho pra você, meu amor, como eu amo você, e tenho vontade de enfiar o garfo no seu braço branquelo. E não me pergunte como é que nascem pessoas assim, como eu, que amam com tanta necessidade de machucar. Como é que tem gente, como eu, que acha que sentir amor é uma gripe forte, uma célula mutante, um motivo pra chorar muito como se a vida fosse demais pra gente simplesmente viver sem prestar atenção nela. Não me pergunte de quem é a culpa e não me pergunte se tenho consciência disso e não me pergunte nada. Eu sei de tudo, eu sei muito de absolutamente tudo. E por isso mesmo é que fico catatônica vendo minha incapacidade de amar ou ter pernas grossas. Como é que se vive? Eu queria cutucar as pessoas. E se você não suportar mais? Como é que faz? Como eu faço pra disfarçar a solidão profunda que sinto no meio de reuniões, no meio de papos leves, fins de sexo e começos de relacionamento? Como eu faço pra ficar perfeita o tempo todo ou virar um bicho estranho e não precisar mais de ninguém? Eu jamais serei o que eu quero e jamais serei o que eu sou sem precisar disfarçar que quase sou o que eu quero. E cada hora eu quero uma coisa. E no fundo eu não quero porra nenhuma. Talvez só encher um pouco o saco, provocar, ser expulsa do peito de todo mundo porque não agüento morar nesses lugares obscuros que são os outros e suas más intenções disfarçadas. Tudo é uma jaula, até minha fuga. Principalmente minha fuga. E eu estou cansada demais. É só olhar pra mim. Olheiras, ossos e escárnio.Gosto das pessoas fortes e burras. Gosto porque jamais vou odiar o que não amo. Como é bom cagar pro mundo e andar de cu ereto. Basta amar alguma coisa para eu enfiar o rabo entre as pernas. Para eu arquear os ombros pra frente. Porque quero proteger tanto você dentro do meu peito que acabo andando como se eu tivesse grávida na garganta. Cada vez que eu quero falar ou comer ou gritar ou viver. Vem o medo de que você me saia pelos buracos da cara. Medo de vomitar você.Como é que se vive? Como é que se ama em meio aos fedores e sujeiras e desistências da sua casa? Como é que se espera alguém voltar do seu mundo particular se eu acabo, por conta de um medo absurdo, indo para o meu para não ter que ver você longe? Esperar o quê? A vida secar tudo, murchar tudo. Não quero viver a porra do momento como dizem. Me sinto o tempo todo uma inocente me debatendo nas paredes de uma piada de mau gosto. Só queria achar a saída e rir por último. Como se eu tivesse tamanho ou força pra peitar assim as coisas como elas são. Ser humano é constatar nosso tamanho ridículo perto das coisas como elas são. Ser humano é a coisa mais linda e sábia a se fazer. Mas ser humano dói em mim de uma maneira tão especial e absurda e assustadora que, em meio a toda essa auto-estima de merda, ganho certa arrogância. Não tenho mais bunda, nem dinheiro, nem peitos, nem sorrisos, nem amigos, nem viagens, nem línguas, nem nada do que os outros..mas tenho meu jeito de bloquear a vida fora e mergulhar aqui nessa coisa horrorosa. Nessa lista VIP da pior festa do ano só tem o meu nome. E lá vou eu voltar pra mim e esperar algum saudosismo escondida atrás da minha porta, com a arma na mão. A porta com todos os trinquinhos. O olho mágico vendo o escuro eterno das pessoas que desistem porque até eu mesma sempre desisto.Aos poucos os olhos se preenchem. As pernas engrossam. Minha voz volta a parecer a voz de uma garota que merece ser amada. Compro uma roupa bonita. Mudo de analista. Escolho uma comédia ou uma revista de fofocas. E então estou pronta de novo. Sou uma armadilha pra ratos. Sem queijo. O que me faz pensar que só atraio quem merece.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sujeira

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O problema é que passa por um açougue desses com cartazes amarelos vendendo preços em vermelho. Com pombas em bando na porta, dando cabeçadas sujas no nada. A valeta seca acompanha o caminho dando um seco também no fundo da garganta. Ônibus bufando no ar carregado de pressas e tosses. Andar na rua pesa, fede, suja, convive. Ela sempre vai de carro. Em seu carro, ela tem um álcool gel que passa no volante para limpar os restos gordurosos das mãos de manobristas punheteiros e ranhentos. Tudo lhe dá nojo. Começou aos poucos com isso. E foi piorando. A doença é sim arrogante e preconceituosa, mas o mundo segue sambando, suando, escarrando. Enquanto ela se resguarda e se alimenta em sua maldade higiênica. A solidão desinfetada. Mas de dentro dessas bolhas macabras cheias de regras maníacas de um cérebro doente, ainda bate alguma coisa desritmada, vez ou outra, lhe dando escuros impulsos de vida. Um prolapso de desejo. E essa coisa bateu quando ela o viu. O fundo do seu peito exala um azedo de cocaína no sangue. Ele colocou a musica que dilacerava seu coração e, ao vê-la em prantos, só foi capaz de aumentar o som. Naquela noite ele estava especialmente sujo. Ele sumiu e voltou com um pentelho loiro grudado no suor da testa. Seu pulso fedia vodka, cigarro e carne mole. Fedia um coração apodrecido pelos seus desejos noturnos. Ele agarrou no braço de uma morena corcunda que não sabia ser solicitada por um deus. Ele é meu deus, ela pensou quando se sentiu correndo bem rápido de sua gaiola. Voando bem rápido de sua ratoeira. Sempre que ser bicho vem é tão novo que não se sabe ao certo encaixar as coerências. Ela vai até ele e enfia seu dedo dentro de sua orelha. Eu gosto de mulheres altas e magras, ele diz. Eu não gosto de você. Ela vai até ele e esfrega o osso da sua bacia. Eu não gosto de você, ele diz agora misturando ódio com delicadeza. Ela vai até ele e faz pra cima e pra baixo com a mão, por cima da calça. Por que se humilhar? Essa pergunta os dois se fazem. Ambos envergonhados e enojados. Porque é tudo tão chato, é tudo tão limpo, o certo fica errado de repente, enquanto dormimos na falsa paz que nos carrega sedados de um dia para o outro. Porque o bonito, o puro, o quase infantil de tão feliz, o saudável, todos esses, todos são manchados de merda, de porra, de vômito, de cortes pequenos na perna com a faquinha da maçã. Tudo que pareceu estar indo, apenas voltou como uma dor que nunca me mata mas me faz voltar gorda de tremores e sarcasmos. Mas eu consigo gostar da sua sujeira, da sua impossibilitada excitada, do seu não retesado e apontando para o meu buraco eterno. Eu gosto de ser seu jamais porque tudo o que podia, nunca pode. Nós vamos mesmo fazer isso? Ele pergunta me virando contra a parede. Eu não quero ficar aqui mas também não quero voltar e muito menos quero ir. Então me sufoca só para eu sentir um pouco de alivio. O jogo de sedução das meninas que casam é a coisa mais podre de se fazer para uma pessoa cínica e em pânico. Porque eu sinto todas as hipocrisias de uma relação de uma maneira tão forte e alta e intensa que prefiro esse minuto em que eu enfio meu dedo na sua orelha e você, porque já são sete da manhã e só sobrou eu, enfia seu vazio duro no meu vazio endurecido. E nós sentimos um vazio terrível que nos violenta e nos separa pra sempre. Porque eu não sei amar, menino sujo, e nem você.

Não vou escrever sobre você

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Eu não vou escrever sobre você, porque sempre que escrevo sobre alguém, o mundo cai e as pessoas somem. Eu não vou escrever sobre você, porque foi tudo muito rápido e parece que te conheço muito mais que mil vidas. Não vou escrever sobre você porque tenho medo de gostar demais de você e a dor vir toda de novo. Não vou escrever sobre você porque tenho medo que você goste demais de mim e que nosso mundo fique distante demais. Não vou escrever sobre você porque você me pediu em namoro querendo que fosse de um jeito mais romântico, sem saber que você já era o jeito mais romântico que eu quis pra mim. Não vou escrever sobre você porque eu que nem sou católica fui a missa pedir um amor no dia de Santo Antônio, porque acredito em santos e 6 dias depois você pediu pra cuidar de mim pra sempre. Não vou escrever sobre você porque você me olha de um jeito bonito, me fazendo acreditar de novo em mim. Não vou escrever sobre você porque tenho medo de você achar estranho ter uma namorada que escreve. Não vou escrever porque de cima daquele palco eu via seu orgulho por mim e ninguém tinha orgulho de mim desde então.Não vou escrever sobre você porque tenho medo que você descubra o quanto sou estranha.Não vou escrever também, porque você não acredita que eu posso fazer mal e eu tenho medo de fazer.Não vou escrever tanto, que já escrevi um texto, já te chamei de meu, já te olhei e sonhei com nossos jantares e dias de sol. Ainda que eu não escreva, eu sempre vou escrever sobre você. Porque agora você é parte de mim.E eu não vou escrever que te quero porque te querer é tão inevitável que quase me faz ter medo de te querer demais, ainda que eu saiba que isso não vai estragar tudo, porque pela primeira vez na vida, eu encontrei um homem que não tem medo de mim e é porque você é esse homem que eu quero não precisar escrever, nem pedidos, nem juras, nem promessas. Escrever serve para alimentar os sonhos e eu já encontrei o meu.