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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A falta

Sinto falta de como era abrir a porta de casa e encontrar sua blusa jogada desastrosamente em cima do sofá. Eu surtava de mil maneiras possíveis, porque eu sempre te pedia pra não fazer aquilo que tanto me irritava. Então hoje, e estes dias todos, o que eu mais queria ver era essa bendita blusa com o seu cheiro esparramada na sala. Sempre que eu abria a porta, fazia uma oração na cabeça e pedia para ter os vestigios da sua presença na entrada de casa. E tudo o que tanto me irritava em você, eu pedia cinco mil vezes em pensamento de dorzinha sufocada para ter comigo.
Se eu entrasse pela porta e visse sua blusa - aquela que quase tinha virado segunda-pele, de tanto que você usava - escancarada em qualquer lugar da sala, juro que eu não ia ter nenhum piripaque nervoso. Nem se eu encontrasse seus sapatos jogados de qualquer jeito no chão, se eu visse terra no tapete, as janelas que você deixava escancaradas mesmo após anoitecer, se eu ouvisse do outro lado da casa sua voz me provocando para brigar por coisas banais, ou a pia cheia de louça e a mesa com farelos de pão. Coisas em você que me irritavam tanto, e que eu amaria receber mesmo que em migalhas, agora.
Fecho os olhos bem forte - como quando a gente quer fazer um pedido muito especial e bonito - e peço a Deus, com fé, que quando eu girar a chave e abrir a porta a sua blusa esteja ali, perfumando a sala com o cheirinho da paz que eu tenho em você. Peço com força, e boto fé com a inocência de uma criança que acredita que pode ter tudo o que deseja se persistir e acreditar firme naquilo. Abro a porta bem devagarzinho para dar o gostinho de magia que faz morder os lábios quando de surpresa achar você e sua blusa no sofá. Não foi dessa vez. Todos os dias, o mesmo ritual. E, apesar de todos aqueles móveis, enfeites, porta-retratos, a casa parece mais vazia do que nunca. Será que o vazio, quando é grande demais, pula pra fora e se espalha por tudo?

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