É isso, sendo bem direta, que quero contar pra você. O meu amor por você é a coisa mais verdadeira que já aconteceu na minha vida e por isso mesmo eu passo dia após dia me policiando pra não cair em contradição com aquela mulher por quem você se apaixonou, já que ela era uma mentirosa, mas você não faz a menor idéia. Ou faz? Já não sei muito bem em que degrau dessa escadaria pra verdade você está e isso me deixa mais acordada ainda, olhando ao meu redor o tempo todo, esperando o momento em que você vai olhar pra minha cara e me contar que não me conhece.
Foram anos, muitos anos, moldando a minha personalidade pra ser exatamente do jeito que eu achava que uma mulher incrível devia ser. E se por todo esse tempo eu não deixei ninguém se aproximar demais de mim, é porque eu sempre soube que a pessoa que deitava na minha cama à noite era completamente diferente daquela outra que acordava de manhã. Eu não estava pronta, eu não era pronta, a minha prontidão, a minha articulação e o meu desprendimento de tudo e todos não passavam do meu escudo pra não voltar a ser a menina magrela, de óculos e cabelo armado da quinta série, aquela que todo mundo queria ser amigo porque ela era engraçada e inteligente, mas ninguém podia porque, aos 11 anos, ela ainda não tinha nem seios e nem malícia.
Foi por querer vingar a minha adolescente que sofreu tanto bulling que eu criei a personagem que me levou de lá pra cá, a tantos lugares, por vários anos. Só que essa mulher, a vingativa, passou por lugares que eu não quero que você saiba, porque você é o meu respiro de ser aquilo que eu não sou, só para ser alguém. Você – desde o primeiro dia – olhou pra mim e enxergou quem eu era.
E quando eu rio e falo que você não sabe da missa a metade, que você acha que sabe de tudo, mas que perderia as contas se tentasse contar meus erros, que a minha malícia e maldade vieram em doses de pinguço quando resolveram aparecer depois de tanto tempo sendo apontadas como inexistentes por aquelas crianças malvadas, aquelas meninas peitudas que hoje são todas jovens mulheres de 25 anos com os peitos caídos, eu não sei exatamente se quero que você acredite no que eu estou falando ou se quero que você continue me abraçando segurando o riso pra depois beijar minha testa e falar “Ai, amor, como você é mentirosinha.”. A minha vontade às vezes é falar que sim, que sou mesmo, que eu não tive outra escolha porque esse mundo não entrega escolhas de bandeja para as pessoas que acreditam que ser só bom serve. Mas o seu “mentirosinha” – no diminutivo como você fala todas as palavras quando quer conferir a elas caráter feminino ou de carinho – não carrega nele o fardo que eu quero compartilhar com você.
Tem dias que eu sonho com coisas que você não sabe, com coisas que nem eu sei se realmente foram ou se eu criei. Aí eu acordo e quero ouvir o “mentirosinha” pra eu ainda acreditar que, agora, eu posso de novo ser a menina que, ao invés de ter ficado grávida na sexta série, escrevia diários com histórias que não eram dela, na esperança que algum dia eles fossem publicados e chamados de “romances”.
Ontem, vendo o caso de uma mulher que viveu a vida toda carregando um tumor no rosto, eu ouvi ela dizer que hoje em dia ela já não se importava mais, que ela conseguia ser feliz sendo exatamente quem ela era. Não, a minha adolescente pouco entendida não é o meu tumor, ela é minha cura. O tumor são as pessoas mesquinhas que passam pela vida da gente, que com aquela mania eterna de projetar nos outros todos os medos que eles têm para si próprios acabam mudando a nossa vida (mesmo que por um determinado período de tempo, nada é eterno, afinal.) pra pior.
Mas eu agradeço. Sem eles eu não seria sarcástica, eu não saberia ler tão bem as pessoas e, com certeza, hoje em dia eu continuaria sendo machucada diariamente, como uma tonta, sem saber me defender. Minhas mentiras foram meu escudo, minha defesa, minha casa no meio da bagunça e sim, eu fiquei meio bagunçada com elas e não são os meus 24 anos, mas sim essa angústia de descobrir de novo quem sou eu de verdade que anda deixando minha vida tão maluca.
As pessoas falam de vida, de problemas, de amores com a propriedade que só cabe àqueles que são os únicos que sabem de alguma coisa. Mas problemas todo mundo têm, todo mundo sempre vai ter. Hoje eu aprendi que ser quem eu sou – seja lá quem for – não é um problema e, muito menos uma solução pra nada na minha vida. E, além de tudo isso, eu entendi, olhando pra dentro, pra fora, pros lados e pra você que eu posso ser quem eu quiser porque quando você é uma pessoa que pensa, que ama e que odeia, mudar é preciso, é permitido e, no balanço final da vida, a mudança não caracteriza nenhuma pessoa como mentirosa.
Não sou, nunca fui e não quero ser santa. Me recuso, entretanto, a fazer parte do mal, independente do que mal seja. Vou continuar falando palavrão, me apaixonado e enchendo a casa de corações de papel, maltratando minha mãe às vezes e depois me sentindo escrota e injusta, ainda vou fazer muitos amigos errados, vou viajar quilômetros por amor aos meus irmãos, aos meus amores. Vou ser assim porque, na verdade, eu já sou tudo isso. Tá tudo errado e tá tudo certo. Tá tudo mudando e tá tudo bem. No final da vida, como eu já disse outras vezes, quero ter um colar de pérolas minhas pra mostrar pros meus netos e, olha só, às vezes eu quero tê-los (os netos), outras não. Daqui há pouco tudo muda, mas eu ainda vou querer estar com você porque, é fato, você me mudou.
Vem cá amor, me chama de “mentirosinha”.
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